quinta-feira, 22 de abril de 2010

Non Ducor Duco.




























Não pretendo ser saudosista - longe disso! - mas sinto na pele e no "meu" tempo mudanças assombrosamente rápidas, sabe, eu, tu, nós...
Venho de uma geração que se permitiu andar descalço e jogar futebol em rua de terra batida - como era bom e saudável, mesmo levando os tais "tropicões" nos pés - e havia, também, as festas juninas com fogueira e coisa e tal, a vizinhança toda participava, era diferente, sem querer dizer que tudo andava às mil maravilhas - estaria mentindo - pois não andava! Mas me parece que as pessoas se trombavam mais e com um tempo mais facilitado para tudo isso...
Era eletrizante ir à loja de discos - longplays - e comprar o último do Black Sabbath, do Deep Purple, entre outros; às vezes, chegava a economizar para, de repente, gastar tudo em som, música, em prazer sonoro, gozo sensorial...
Em poucos anos, a tecnologia driblou e suplantou problemas, tornando-os tão insignificantes que hoje em dia não se valoriza as dificuldades por tudo que as facilidades de hoje nos permitem - como era gostoso gravar uma música emendada a outra numa fita K-7, uma verdadeira batalha para unir tempo e espaço musical através de uma aparelhagem simples ...
Ia a uma pizzaria, há questão de uns parcos quarenta anos atrás, era um verdadeiro acontecimento! E haviam as tradicionais mozzarella, alho e óleo, calabresa, portuguesa e atum. Hoje, enquanto a fome nos devora, perdemos um tempo enorme em escolher o que se vai querer e, quanto maior o número de opções, maiores as dúvidas, uma confusão gastronômica e mental incríveis!
Trânsito! Parece mentira, mas isso sempre aconteceu de forma a nos tirar do sério, como se não houvesse mais possibilidades de melhora, mas... será mera impressão ou os veículos acabaram por tornar-se verdadeiros "tanques de guerra" - uma guerra fria, calculista e de poder - quem está dentro deles confina-se em seu micro mundo e pretende que o resto se dane (para ser mais educado)! Houve época em que automovel era sinal de necessidade; hoje, essa necessidade suplantou o status, impondo uma linha divisória forte e preponderante entre quem realmente necessita e quem tem mais! Progresso!? Não sei, prefiro acreditar que não, principalmente numa capital como a minha, que recebe diáriamente mil veículos novos nas ruas. Tenho até saudades de andar de bicicleta, uma grande aventura nesta cidade que amo, mas que acabou por deixar-me amedrontado e impotente, frente a uma lei selvagem subliminar que permite ao mais forte fazer e desfazer, impondo um estado de insegurança e desrespeito para com o mais fraco... alguém já teve a oportunidade de assistir o filme "Encurralado"!?
Percebo, com isso, que valores importantíssimos foram se perdendo; um deles, talvez o mais importante, é o respeito para com o próximo - não há quem não se sinta com o ego massageado quando tratado com dignidade e respeito! E hoje em dia, aquém desse respeito pelo próximo, não respeitamos a nós mesmos, o que é mais dificil de aceitar!
Namorar no escuro, às escondidas, era sinônimo de conquista. Passear à noite, caminhando e roubando beijos e abraços fazia parte dessa conquista - hoje, nada mais é do que impor-se e conseguir vencer a violência desmedida!
Andar e falar sozinho na rua era um sintoma de loucura... Atualmente, os fones de ouvido de celulares justificam tal atitude. Por várias vezes me ví impelido a procurar a ajuda de alguém com uma dúvida, uma informação ou seja lá o que for, e percebí que estava sendo inconveniente, pois a pessoa acabava por ter de sair de seu mundo hermético para me dar uma resposta rápida e seca! Percebo que um número cada vez maior de "fonados" vem aumentando; pessoas cada vez mais imersas em sua individualidade sonora, sem falar naquelas que não se permitem mais dispor de seu sagrado tempo de almoço, por estarem conectadas vinte e quatro horas por dia a um mísero aparelho de comunicação...
Palavras, palavreados, gírias, chavões... um mundo cada vez mais amplo e que, ao mesmo tempo, foge cada vez mais de nossa língua- mãe. Assusto-me constantemente, escutando verdadeiras aberrações onde, de repente, pergunto a mim mesmo: "o que será que estão querendo dizer com isso!?" Será que devo me sentir como um excluído na terra que me abriu os braços e fez com que a língua portuguesa fosse meu carro-chefe no dia-a-dia!? Essa língua, linda e maravilhosa, cada vez mais perdida em meio a mentes dilaceradas pelas injeções de banalidades passageiras e supérfluas...
Tudo tão rápido e tão sem concretude, sem o troféu da perenidade; valores são construídos na mesma velocidade com que são destruídos - a mídia é mestra nessa arte! Mesmo assim, detesto adentrar o papo ufanista do "antigamente", como se isso purgasse a humanidade dos feitos e das desgraças de sempre...
Como bom libriano que sou, sempre me sentí à vontade para com a proximidade alheia, um papo informal, uma pergunta, etc., mas hoje, exatamente hoje, sinto cada vez mais a distância das pessoas ao meu redor. Existe uma força que move a massa através das ruas, impelindo-as a caminharem como verdadeiros autômatos que não olham o que vem à frente - bólidos humanos (ou humanóides!?) que fazem da força física a mola-mestra da grande aventura do cotidiano, pretendendo mostrar ao mundo que chegaram para dominar, mas não percebem que o nada os está dominando, promovendo uma relação direta entre a massa muscular e a mente bruta...
Até pouco tempo atrás, gerente era alguém que, devido aos longos anos de atividade, possuía conhecimento e experiência do todo dentro da empresa. Hoje, sinto-me ultrajado quando sou obrigado a resolver um determinado problema com um tal gerente - alguém que a parca idade ainda não possibilitou a envergadura de um lider!
As escolas nada mais fazem do que possibilitar diplomas a pessoas despreparadas que, mesmo depois de formadas, ainda se comunicam de forma hilária e patética... A ditadura militar conseguiu efeitos contundentes e letais ao suprimir as cadeiras de Filosofia, Psicologia e Sociologia no segundo grau no início da década de 70 - afinal, para que as pessoas pensarem!? Quem pensa também questiona e age...
Hoje, estou imerso num mundo tão moderno e rápido, mutante e degradante, que tem me incomodado muito, o suficiente para não deixar de tomar meu antidepressivo e perguntar-me aonde irei parar com tudo isso!
Vivemos um momento surpreendente, que nos permite reescalonar valores perdidos num passado tão próximo. Somos nós mesmos que procuramos tudo isso ou somos meros estafermos de um sistema podre que nos alicia e nos anestesia, fazendo com que caminhemos a passos largos, longe de nossa verdadeira essência em querermos um mundo melhor?
Ao menos, resta-me a lucidez de ter a certeza que a energia divina - manipulada e justificada por mentes sórdidas e perversas - está acima de tudo e de todos, permitindo a cada um de nós o livre-arbítrio na senda da vida.

"Alea Jacta Est".

4 comentários:

  1. Adorei!
    A minha geração também sente bruscamente as mudanças...no "meu" tempo eu também gravava fitas k-7 e esperava ansiosamente em frente ao rádio para que a música tocasse e eu pudesse, enfim, gravá-la....fora muitas outras coisas...acho que poderíamos ficar horas falando sobre isso...
    Enfim...fiquei contente com esse momento nostalgia...dei umas boas risadas me lembrando da vida...
    beijo enorme

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  2. Também adorei!Agradável de ler, bom de lembrar, muitíssimo bem escrito; dá vontade de continuar nessa viagem recordando e recordando...
    Parabéns! Fiquei orgulhosa!
    Um beijo gostoso!
    Carmo

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  3. Caríssimo! Sou da mesma época. O sonho de consumo era a TV transistorizada, o telefone era um luxo desnecessário. Comecei a trabalhar como digitadora quando os PCs eram do tamanho de uma sala, os discos onde eram gravados os dados do tamanho de uma roda de carro. O carro era o sedã Belcar e a camioneta Vemaguet, mas a paixão mesmo era o Puma. Havia o Gordini, o Opala, o Mustang...Hoje, existem vários, nem sei distinguir os alhos dos bugalhos. O telefone é uma necessidade, e os PCs são carregados no bolso. As amizades existiam, os vizinhos se cumprimentavam. O amor tinha um toque mágico, uma fome de bondade, de compaixão pelo outro, de proteção. O amor hoje, não tem mais porto onde ancorar, ficou pelas ruas. O amor também virou um objeto de consumo. E estamos virando coisas. E por isso essa saudade inexplicável de alguma coisa que parece que existiu antes da vida.

    Beijos

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  4. Como grita o locutor de Futebol "O Tempo Passa"

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