quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O Jantar.


O mês inteiro no preparo daquele jantar.
Tudo deveria estar impecável.
A quantia que o Dr. Dirceu adiantou merecia uma gentileza; assim, os juros talvez seriam perdoados e novos contatos surgiriam.
Oportunidade única de evitar a ruína iminente -
sua missão estava cumprida!
Era torcer para que todos viessem.
Olheiras pesavam no rosto de seu companheiro que, arqueado, revelava cansaço em seu humilhante sorriso sem jeito ao cumprimentar os convidados que chegavam.
Pouco a pouco, o som das gargalhadas se distanciava, tornando aquela cena um teatro mudo de horrores.
Era possível a ela ver, no lugar dos corações daqueles seres, buracos mal cheirosos, purgando um líquido morno e sem vida.
No lugar de mãos, bocas retorcidas e garras completavam a imagem dos personagens daquele espetáculo grotesco.
Trazendo o prato principal, a empregada quase derrubou a bandeja ao perceber o rosto lívido da patroa.

Um garfo cai...ela desperta, então!
Percebe, assustada, que alguém a está encarando; a caricatura do grupo  se esvai e ouve a esposa de um dos investidores elogiando a vitela.
Responde de forma gentil, voltando a si, mas fica intrigada e começa a olhar com mais atenção, cada uma daquelas figuras sentadas à mesa.
O tom melódico das vozes hipinotiza, tornando irrecusáveis as propostas.
Os sons tornam a sumir e  ela nota então que, junto dos que à mesa estavam, espectros se aproximam, sugando tudo o que poderia ser sugado naquela sala - o perfume da carne, as bebidas, a energia daquela farsa, onde um precisava tirar do outro o maior  e melhor proveito.
De maneira ávida, porém, discreta, vê nitidamente quando algo se aproxima do mais falante, e se acopla em sua jugular, criando uma simbiose bizarra.
O sensível esposo afunda na cadeira cada vez mais e,  pela primeira vez,  seus olhos brilham de alegria com um  tolo comentário ao ser elogiado pelos demais.
O chão do aposento está forrado de ratos e baratas, o teto é coberto por um manto negro que se move estranhamente, insetos e morcegos festejam a refeição.
Todos vieram! 

Carmo Tavares  

3 comentários:

  1. Este teu pequeno conto é uma pérola! Parabéns pela verve literária que pulsa cada vez mais forte em tua alma... 1 beijo celta-musical,

    the Osmar

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  2. Obrigada, Osmar!Este blog está recheado de pérolas! Parabéns pelo trabalho,
    beijo celta prá você,
    Carmo

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