quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Mais música e sonho...



Certamente minha Sampa mudou muito - às vezes penso que para pior, mas acontecem certas coisas que acabam me deixando "nas nuvens"...

Metrô Vila Madalena - conheço essa região desde minha adolescência, nem existia essa estação de trem, mas o trânsito e o burburinho sempre foram intensos. Vou chegando perto da fila das vans que levam os passageiros à estação Cidade Universitária e, repentinamente, diviso dois jovens que deveriam ter no máximo uns vinte e um anos de idade. Vestidos com muita simplicidade e tendo à frente de ambos um chapéu jogado ao chão (haviam moedas dentro), cantavam uma melodia em inglês muito bonita - os dois cantavam a duas vozes, um tocava um violão simples, de cordas de aço e muito bem afinado, e o outro fazia a percussão numa espécie de pandeiro. O que importa mesmo é que aquele momento, para mim, foi bastante especial; esqueci de todo e qualquer pensamento adverso que estivesse cutucando minha mente e só me concentrei nos dois cantando aquela melodia deliciosa. Foi um prazer indizível, principalmente pelo fato de eu amar a música, mas, ao mesmo tempo, sentí-me um privilegiado, como se aquela melodia adentrasse minha alma, um presente dos ceus... e acho que foi mesmo, porque aqueles poucos instantes me permitiram ter a sensação que olhava para dois anjos imersos na música. Normalmente, fico meio impaciente aguardando na fila até que chegue minha vez de entrar no veículo, mas, hoje, pela primeira vez, torci para que demorasse um pouco mais, mas... não demorou, infelizmente! Meti a mão nos bolsos à procura de moedas e as deixei com o maior prazer dentro daquele chapéu que, na minha opinião, deveria estar repleto, transbordante, mas que na verdade não apresentava tais características, infelizmente. Em seguida, duas pessoas que estavam próximas a mim fizeram o mesmo, jogaram algum dinheiro lá dentro recebendo, de imediato, o agradecimento da dupla.

Segui meu destino, olhando e olhando até as figuras e o som desaparecerem por completo e tive a falsa sensação de estar num país diferente, socialmente desenvolvido, mas logo cai na real, o sonho foi-se tão rapidamente como a mim chegou... de imediato lembrei do triste fato ocorrido há pouco tempo atrás, creio que no dia 17 de novembro último, quando policiais da PM prenderam um guitarrista nas imediações da av. Paulista, comprometidos com ordens do prefeito Kassab. Eu me lembro muito bem disso, pois fiquei muito revoltado com esse fato - mais um que entra para o "Livro Negro da Arbitrariedade no Brasil"!
Momentaneamente, como já relatei acima, eu me sentí num país socialmente desenvolvido, com visão e normas voltadas para cidadãos; foi tão bom, tão gratificante ter-me permitido apreciar aqueles dois rapazes envoltos em sua arte na rua e em sua forma simples e bela de captar recursos próprios, mas... foi só por breves momentos, só isso! O sonho desfez-se rápidamente, enquanto a perua seguia seu destino, fazendo-me cair na real - o sonho transformou-se num pesadelo porque, numa fração de segundo, imaginei que aqueles dois moços poderiam ser meus filhos - e eu tenho dois filhos músicos! Um calafrio perspassou meu pescoço, pois percebi que o que havia imaginado não fôra nada surpreendentemente irreal, ao contrário, poderia ter acontecido com qualquer um - de repente, o nosso filho poderia ser o próximo! Meus filhos não utilizam essa fórmula para ganhar o pão de cada dia, não precisam disso, mas enxerguei naqueles músicos uma possibilidade, mesmo que remota, disso acontecer com eles e com outras pessoas mais... o mundo dá muitas voltas!
E senti vergonha alheia; senti uma pontada no coração ao lembrar de algumas fotos que uma amiga me enviou numa viagem à Europa, onde músicos próximo ao metrô acabam não só "enfeitando" o local, como, também, demonstrando que são respeitados pelo que fazem.

Aqui, a degradação social e a corrupção estão tão afloradas e enraizadas, tão em voga, que o povo já acabou se acostumando com barbaridades desse e de outros gêneros - a alta rotatividade dos fatos negativos acabou como que "vacinando" as pessoas para com as aberrações que se sucedem diáriamente, infelizmente! Políticos, pessoas corruptas ligadas às altas esferas, traficantes e toda uma rede afim acabam, normalmente, se dando bem por aqui - a prisão acaba sendo um mero substantivo em suas vidas, só isso! Sem querer, consegui ensergar-me naquela situação surreal, cercado de policiais, sendo algemado, meu instrumento jogado ao chão sem o menor respeito e tremi... tremi de medo e, também, de raiva por tudo que se passou em minha mente naqueles instantes, e sei que o que senti não foi algo ligado a um sonho, não, mas, sim, a um pesadelo...

E me pergunto até quando esses e outros fatos continuarão marcando, ou melhor, sujando as páginas de nossa história já tão manchada e vilipendiada... até quando!?






6 comentários:

  1. Então meu amigo Osmar...
    O problema não é só a inércia da população ao ver certas coisas, o problema é o sentimento de normalidade.
    As pessoas consideram normal a polícia agir de maneira brutal com os civis; as pessoas consideram normal políticos roubarem, mendigos pela rua, aumento de preço dos alimentos, tragédias acontecerem, e por aí vai.
    Pelo menos pra mim, o sentimento de revolta se dá pela "normalidade do normal". Tudo é normal... tudo! Fome, miséria, corrupção, futilidade, consumismo, etc... tudo é normal...

    Quanto àqueles dois talentosos jovens poderem ser seus filhos, poderia ser você, poderia ser eu, poderia ser qualquer um de nós...

    aff...

    ... isso é o que chamo de pesadelo.

    ResponderExcluir
  2. Concordo com tuas palavras, Bárbara... infelizmente! Obrigado e 1 beijo,

    the Osmar

    ResponderExcluir
  3. Parabéns pela forma sincera e simples, porém profunda, de expressar tua sensibilidade - que é sempre à flor da pele.
    A Marina Colossanti escreveu texto muito lindo
    "A gente se acostuma, mas não deveia", lembrei muito dele ao ler o teu texto.
    Cotinue com este blog bom demais de ler!
    beijo celta,

    Carmo

    ResponderExcluir
  4. Obrigado, Carmo, sei muito bem que "a gente se acostuma, mas não deveria"... no fundo, todos nós temos nosso quinhão de participação nesse processo, todos sem exceção! Escrever e dialogar com pessoas faz parte de um processo que considero interessante, de repente, em meio a uma porção de tentativas, a gente acaba "fazendo a cabeça" da mais alguém... não deixa de ser uma vitória! valeu pelo comentário, querida, fique na energia divina com outro beijo celta-musical,

    the Osmar

    ResponderExcluir
  5. Caríssimo, Você escreveu com muita sensibilidade.
    Pura emoção.
    Gostei do seu blog. Bela iniciativa.
    Continue escrevendo, amigo!

    Bacci per te!!!

    ResponderExcluir
  6. Pô, Fábio, sem palavras, cara! E sei que não está fazendo média...rs... Fico feliz, 1 bacio,

    the Osmar

    ResponderExcluir